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1 de maio de 2011

Agenda incógnita 

Por Vital Moreira

Será aceitável que um partido que pretende vir a ser governo em breve se abstenha de apresentar políticas alternativas e de formular as suas prioridades governativas?

Na mesma semana em que se juntou à esquerda radical para derrubar o Governo do PS, rejeitando o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) sem apresentar nenhuma alternativa (como se aquele não fosse obrigatório), o PSD voltou a fazer o mesmo para revogar o sistema de avaliação de professores, uma das mais importantes reformas do setor público nos últimos anos, igualmente sem apresentar nenhuma alternativa (como se não tivesse deixado de ser concebível um sistema de ensino sem tal avaliação). Entretanto, para além da iniludível marca liberal, o programa político da nova direção "laranja" continua a ser quando muito uma nebulosa sem contornos nem conteúdo preciso.

Tornou-se óbvia a razão por que Passos Coelho rechaçou o apelo de Sócrates para negociar o "PEC IV" antes de o rejeitar liminarmente, sem sequer apresentar nenhuma alternativa às medidas nele contidas, arrastando o país para uma inoportuna crise política e provavelmente para um crise da dívida pública, obrigando a recorrer a ajuda externa. A verdade é que o PSD não faz mesmo nenhuma ideia do que há-de fazer, se vier a ser governo, para alcançar as metas da redução do défice das contas públicas, de modo a baixá-lo para 3% em 2012 e para 2% em 2013. O que o líder do PSD disse desde então, nomeadamente a possibilidade de nova subida do IVA e uma possível privatização parcial da CGD, lança as maiores preocupações, tanto pela sua natureza avulsa como pela sua falta de consistência. Decididamente, é pouco e é mau.

Exige-se desde logo um compromisso firme e credível sobre os referidos objetivos da consolidação orçamental. É evidente que eles são incontornáveis face às responsabilidades e aos compromissos europeus, mas o PSD não pode deixar a mínima dúvida de que os assume convictamente, sob pena de adensar ainda mais as nuvens que a abertura da crise política lançou sobre a nossa capacidade de financiamento externo. O país não pode ficar refém do irresponsável calculismo eleitoral do PSD.

Requer-se, em segundo lugar, que o PSD explicite claramente como é que, depois de rejeitar o programa de disciplina orçamental do PS, se propõe conseguir o mesmo resultado por meios diferentes, em condições porventura agravadas pela crise política. Aliás, conhecida a sua insistência em privilegiar o corte da despesa sobre o aumento da receita, é evidente que reduzir o défice orçamental de 4,7% este ano para 2% em 2013 supõe um programa de austeridade orçamental ainda mais exigente do que o que foi rejeitado. Ninguém pode ter ilusões sobre isso.

Ao contrário dos partidos de protesto, o PSD não pode furtar-se a apresentar o seu próprio programa de consolidação orçamental. Onde se propõe o PSD buscar mais receita sem ser de origem fiscal? Faz sentido um novo aumento do IVA, como admitido agora por Passos Coelho (contradizendo-se a si mesmo), sabendo-se que se trata de um imposto universal e socialmente regressivo? E onde se propõe efetuar os cortes acrescidos na despesa pública, tanto maiores quanto menor for o aumento da receita? Rejeitando a redução nas pensões de valor mais significativo, que o PEC IV previa, onde é que há margem para redução adicional da despesa, sem proceder ao despedimento maciço de funcionários públicos ou sem pôr em causa as condições mínimas de funcionamento dos serviços públicos?

Para além do desequilíbrio orçamental, que a crise global de 2009 criou, o segundo grande problema nacional é o desequilíbrio das contas externas, que um persistente défice de competividade internacional da nossa economia alimenta, acumulando um enorme endividamento externo. Também aqui se desconhecem as propostas concretas do PSD, embora se conheça a receita de alguns dos seus dirigentes e dos seus economistas, que passa pela desregulação das relações laborais, pela diminuição das contribuições para a Segurança Social (ameaçando o financiamento da Segurança Social) e por outras medidas de redução dos custos empresariais, sem falar nas ideias radicais de corte geral nos salários. Em que ficamos?

Uma terceira área incógnita é a que diz respeito às ideias do PSD sobre os grandes pilares do Estado social que são a educação, a saúde e a segurança social (incluindo a proteção social). Sabe-se que, seguindo o breviário neoliberal, Passos Coelho contesta a sua atual natureza de serviços públicos financiados por impostos, no primeiro e segundo casos, ou por contribuições públicas obrigatórias, no terceiro. Mas, além da hostilidade a essa herança, nada mais se sabe, tendo havido propostas avulsas absolutamente contraditórias, desde a proposta radical de privatização geral desses serviços, passando pela defesa do pagamento individual da educação e da saúde, até à ideia da "liberdade de escolha", mantendo (e mesmo alargando) o custo orçamental dos mesmos serviços.

Tudo somado, são demasiadas as incógnitas da alternativa política do PSD, que continua incapaz de forjar um programa minimamente consistente. Não é nada provável que consiga agora fazer na véspera de eleições o que não logrou fazer em muitos anos de oposição. Nem é provável sequer que o queira. Sendo clara a sua nova orientação neoliberal de redução do papel do Estado e dos serviços públicos, o PSD prefere manter desconhecidos os contornos do seu programa, não fosse ele prejudicar a "caça ao eleitorado".

A questão que se coloca é a de saber se se pode apresentar um "bid for power" com uma agenda política tão deliberadamente vazia.

[Público, terça-feira, 29 de Março de 2011]

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