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19 de agosto de 2010

Sem data marcada 

Por Vital Moreira

Há muita gente, mesmo entre os socialistas, que pensa que o actual Governo não vai cumprir a legislatura e que nem sequer passará do próximo ano, caindo provavelmente logo depois das eleições presidenciais (caso sejam ganhas, como é previsível, pelo actual Presidente). É evidente que um governo minoritário não tem seguro de longevidade, mas os prognósticos sobre uma rápida queda podem ser um tanto precipitados.

Em abstracto, o actual Governo minoritário não goza de condições favoráveis à sua sustentabilidade política. Mal acabada a recessão económica, o Governo tem de enfrentar a crise do défice e da dívida pública provocada pela recessão económica e pela resposta à mesma. Por outro lado, para além de enfrentar coligações negativas das oposições contra a sua política, está sempre à mercê de ser derrotado por uma aliança do PSD com o CDS, o que não sucedia em anteriores situações de governo minoritário socialista. Acresce que também não pode contar com o apoio do Presidente da República, nem agora, nem provavelmente depois das eleições presidenciais.

No entanto, para um governo cair, tem de demitir-se ou ser demitido. Conhecendo a fibra política de Sócrates, que não foge das dificuldades, nem cede perante a contestação, a hipótese de autodemissão deve ser em princípio descartada. Também não se afigura provável a hipótese de apresentação de uma moção de confiança suicidária, a não ser se acossado e sem saída, para obrigar as oposições a assumirem as suas responsabilidades na abertura de uma crise política.

Quanto a moções de censura, uma coisa é apresentá-las, outra é aprová-las. Os diversos partidos da oposição só votarão conjuntamente a queda do Governo, se tiverem a certeza que ganharão com eleições antecipadas, não bastando os interesses do PSD. É evidente que, tendo em conta a elevada votação dos três partidos menores nas eleições do ano passado, é difícil imaginar que podem manter o seu peso nas próximas eleições, tanto mais que estas serão porventura mais polarizadas. Mas o próprio PSD só pode estar interessado em provocar a queda do Governo e ir para eleições, se tiver convincentes perspectivas de ganhar folgadamente, se não com maioria absoluta, pelo menos com forte probabilidade de a conseguir com o CDS, cativando este para fazer cair o Governo.

Resta obviamente a possibilidade de uma acção presidencial. Afastando à partida a hipótese de exoneração directa do Governo - hipótese constitucionalmente excepcional, nunca utilizada desde 1982 --, o Presidente da República dispõe também do poder de dissolução parlamentar e de antecipação de eleições, provocando a queda do Governo em funções. Embora tratando-se de um acto constitucionalmente discricionário, sem requisitos estritos, não é seguramente um acto arbitrário, tendo de ser devidamente justificado em fortes razões políticas.

Na hipótese da reeleição do actual incumbente de Belém, a questão consiste em saber se Cavaco Silva vai encontrar alguma situação susceptível de justificar a antecipação de eleições. Sendo certo que ele não morre de amores pelo primeiro-ministro, resta saber se o seu "institucionalismo" cederá à tentação de favorecer deliberadamente as suas cores políticas, sujeitando-se à acusação de parcialidade partidária no exercício das funções presidenciais de "poder moderador" e supervisor do funcionamento do sistema político. Uma coisa é certa: para além de precisar de um bom motivo, Cavaco só recorrerá à dissolução parlamentar, se estiver convencido que novas eleições trarão uma solução governativa alternativa forte, não podendo ele próprio correr o risco de o fazer se não houver hipótese convincente de um governo maioritário do PSD ou de uma coligação de direita.

Há, evidentemente, um meio muito simples de o PSD provocar uma crise política, se retirar apoio às medidas de austeridade e de consolidação orçamental acordadas com o Governo e se negar a viabilização do Orçamento. Em tal caso, o Governo ficaria sem margem de manobra e a sua situação tornar-se-ia dificilmente sustentável. Além disso, a incapacidade para fazer passar o Orçamento poderia fornecer um bom pretexto ao Presidente da República para dissolver a Assembleia.

Todavia, uma tal ruptura com os compromissos assumidos teria elevados custos políticos para o PSD, justamente porque foi essa atitude responsável que lhe granjeou o apoio de que hoje goza. Segundo, Passos Coelho não quererá assumir demasiado cedo as responsabilidades do governo, sem que a parte mais dura do programa de austeridade esteja superada e as finanças públicas estejam no caminho da recuperação, sobretudo se quiser respeitar a sua aposta na diminuição do papel económico e social do Estado e na redução da carga fiscal.

Não se vê que essa conjunção de condições esteja para ser realizar a curto prazo. Para além de precisar de tempo para dar credibilidade política ao seu novo líder e à sua nova orientação política, caracterizadamente liberal, o PSD vai estar sujeito a um teste de paciência sobre quando estarão reunidas as condições para chegar ao governo. Enquanto a margem de incerteza for grande, tenderá naturalmente a adiar a provocação da crise. Nada pior do que "ir à lã e ficar tosquiado".

Descontados os factores de natureza extrapolítica, a subsistência deste Governo vai depender sobretudo da evolução da situação financeira, económica e social. Caso as actuais dificuldades persistam duradouramente, tenderá a diminuir o apoio político e a crescer o apoio a uma solução de governo alternativa, protagonizada pelo PSD. Caso a situação das finanças públicas alivie nos próximos meses, a retoma económica ganhe fôlego e o desemprego comece a diminuir, então as condições de Sócrates e do PS tenderão a melhorar e a hipótese de queda prematura do Governo perderá gás.

Em resumo, o desfecho da actual situação política pode ser certo, mas não parece ter data marcada.

(Público, terça-feira, 13 de Julho de 2010)

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