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23 de fevereiro de 2009

Conferência no Instituto de Estudos Superiores Militares 

A Política Europeia de Segurança e Defesa - Complementaridade com a NATO
· Gostaria de começar por agradecer o convite que me foi dirigido pelo Capitão-de-Fragata António Luís dos Santos Madeira para vir hoje falar ao vosso Curso; esta é a minha segunda visita aqui ao IESM e já tive o prazer de receber o Curso de Promoção a Oficial General de 2007 em Bruxelas;
· Devo dizer que aceitei imediatamente o convite, por duas razões principais: primeiro, porque penso que não há grupo de indivíduos mais decisivo para as tomadas de decisão estratégicas do futuro do que os nossos oficiais generais; segundo, porque sinto que aquilo que tenho aprendido em Bruxelas, como vice-presidente da Subcomissão de Segurança e Defesa do PE e como coordenadora do Grupo Socialista para estes temas, me habilita a contribuir para os trabalhos do vosso Curso;
· A minha intervenção de hoje, e o debate que se seguirá, inscrevem-se num dos mais importantes exercícios da democracia: o diálogo constante entre os políticos e os militares; um diálogo em que ambos os lados conhecem bem o seu papel nas instituições da República, mas que, quando levado a cabo com a franqueza e a honestidade intelectual necessárias, é decisivo para a construção de uma visão e de um discurso estratégico comuns, e portanto verdadeiramente nacionais;
· O que nos leva directamente ao tema que me propuseram: a Política Europeia de Segurança e Defesa e a sua complementaridade com a NATO;

· Vou dividir a minha intervenção em três partes:

1. Primeiro, a dimensão política e institucional;
2. Segundo, as capacidades;
3. Terceiro, a dimensão operacional.

· Em relação à dimensão política, devo começar por dizer uma coisa que talvez não vos preocupe muito, a vós militares, mas que para nós, políticos, não deixa de ser fundamental: as pesquisas do Eurobarómetro revelam sistematicamente um apoio popular considerável - na ordem dos 70% - a uma União Europeia mais activa em questões de defesa e de relações externas;
· Independentemente, portanto, de discussões doutrinárias sobre o papel da UE e da OTAN, devemos ter consciência das expectativas dos cidadãos, no que diz respeito a algumas áreas que antes eram do domínio reservado da Aliança Atlântica;
· Para usar um vocabulário muito na moda, as pressões do lado da "procura", isto é, das expectativas dos cidadãos, às vezes expõem as limitações do lado da "oferta", isto é, da capacidade da União de demonstrar a sua utilidade no domínio da gestão de crises com meios militares;
· Mas a "procura" de uma União mais envolvida em questões militares não vem só dos nossos eleitores: ela vem - talvez até com mais intensidade - de fora; a União Africana tem actualmente 30.000 soldados envolvidos em cinco operações de manutenção de paz; as Nações Unidas têm 75.000 e a própria NATO tem 55.000 soldados no Afeganistão; ora a União Europeia, em Dezembro do ano passado, tinha apenas 6.000 soldados em operações militares, essencialmente na Bósnia e no Chade/República Centroafricana;
· Não quer isto dizer que a UE deva necessariamente tomar parte em operações de grande dimensão para provar a sua relevância; pelo contrário, diversos actores internacionais, e principalmente a ONU, já vêem a União como um actor indispensável na gestão de crises: não há cenário de crise - no Darfur, na Somália, no Congo, na Palestina, no Sul do Líbano - em que, mais cedo ou mais tarde, não se considere, ou se tenha considerado, a possibilidade de pedir à União Europeia que envie tropas;
· Mas perante as necessidades globais de tropas expedicionárias para a gestão de crises, a União Europeia tem demonstrado que nem sempre é capaz de responder adequadamente às expectativas das Nações Unidas, das populações nas regiões em conflito e dos cidadãos europeus;
· Por outras palavras, para além de ser um passo fundamental no processo de integração europeia, a Política Europeia de Segurança e Defesa é a resposta - incompleta, imperfeita e ainda embrionária - às pressões convergentes, internas e externas, para que a Europa assuma as suas responsabilidades globais no domínio da gestão de crises;
· E porque é que não pode ser a NATO a enviar tropas para o Congo, para a Palestina, para o Líbano ou para a Somália? Por duas razões igualmente importantes: porque não pode e porque não quer;
· Porque é que não pode? Porque é frequente a NATO esbarrar na baixa aceitação da sua presença militar entre os principais actores das zonas de conflito - a razão é conhecida de todos: o papel determinante dos EUA na NATO tem, por vezes, o efeito de inquinar a legitimidade política da Aliança Atlântica como actor político e operacional;
· Porque é que não quer? Porque, mais uma vez, as prioridades estratégicas da NATO são indissociáveis das dos EUA. E se Washington decidir, como a Administração Bush decidiu, que as eleições na República Democrática do Congo, ou os massacres no Leste daquele país, não justificam o envio de tropas americanas, a Europa não pode ficar de braços cruzados: tem de arranjar um contexto institucional alternativo à NATO para satisfazer os pedidos de ajuda das Nações Unidas ou os apelos da região;
· A primeira conclusão em relação ao tema da complementaridade é, portanto, a seguinte: NATO e UE são organizações com perfis políticos e estratégicos diferentes; apesar de todos os debates sobre o futuro da Aliança, e apesar das operações no Kosovo e no Afeganistão, a NATO continua a ser, acima de tudo, uma aliança militar, cuja identidade ainda é indissociável da defesa colectiva e territorial dos seus membros e da necessidade de ancorar firmemente os EUA no contexto estratégico europeu;
· Já a União Europeia é um actor internacional sui generis que só no Tratado de Lisboa vai adquirir os primeiros contornos de uma comunidade de defesa colectiva, e cuja prioridade, no domínio da segurança e defesa, é a de ser capaz de acrescentar uma opção militar credível às ferramentas necessárias para uma gestão de crises eficaz;

· As duas organizações são, assim, compatíveis e complementares, do ponto de vista político e identitário;

· Para perceber porque é que elas são politicamente complementares, e se têm tornado mais complementares nos últimos anos, é importante debruçarmo-nos sobre a evolução dos EUA em relação a este tema;
· No seguimento da Declaração de Saint-Malo de 1998, do Reino Unido e da França, que lançou os alicerces políticos da PESD, as condições de Washington para apoiar esta iniciativa foram articuladas em três D's, ou melhor ND's: que não fossem duplicados os meios da NATO, que não se discriminasse os membros da NATO que não fossem membros da União Europeia e, finalmente, que não se desligasse a União Europeia da arquitectura transatlântica de segurança;
· Foram estes três princípios que estiveram na base dos Acordos de Berlim Plus de 2003, e que motivaram, no mesmo ano, a recusa dos EUA e dos países mais atlanticistas da União Europeia, em apoiar a criação de um Quartel General Operacional, autónomo, da UE em Tervuren, na Bélgica;
· Entretanto, a situação alterou-se significativamente. E o Presidente Obama já herda uma posição americana mais flexível; há um ano, em Fevereiro, a Embaixadora dos EUA na NATO, a senhora Victoria Nuland, proferiu um discurso que indicou uma alteração de estratégia dos EUA - disse o seguinte:

"Estou aqui em Paris para dizer que nós concordamos com a França - a Europa precisa, os EUA precisam, a NATO precisa, a comunidade das democracias precisa - de uma capacidade de defesa europeia mais forte e mais capaz. Uma PESD só com soft power não chega..."

E continuou:

"... O Presidente Sarkozy tem razão. A NATO não pode estar em todo o lado."

· A este discurso seguiu-se a Declaração de Bucareste de 2008 da NATO, em que os Aliados declararam que:

"Reconhecemos o valor de uma defesa europeia mais forte e mais capaz, que contribua com capacidades para lidar com os desafios comuns que enfrentam a NATO e a União Europeia."

· Esta mudança de atitude demonstra que vão longe os dias em que John Bolton considerava as propostas francesas para o Tratado de Nice na área da PESD "um punhal apontado ao coração da NATO"!;
· De ambos os lados do Atlântico, em Washington, talvez até mais do que em Londres ou em Varsóvia, já se compreendeu que o processo político e institucional da União Europeia, da PESD, pode acrescentar valor, porque pode servir como catalisador para a mobilização das capacidades europeias existentes e para o desenvolvimento de novas capacidades. E estes avanços beneficiam a União Europeia e a NATO por igual;
· Uma coisa fica clara para nós europeus: agora que caiu o veto americano que pairava sobre a PESD, agora que de ambos os lados do Atlântico se vai gerando um consenso sobre a complementaridade política de ambas as organizações, agora que Paris parece disponível para abandonar a sua posição intransigente em relação à estrutura militar da Aliança, agora que as estrelas mais importantes no firmamento político transatlântico estão alinhadas - a Europa, a UE, as nações europeias já não têm desculpas;
· Já não têm desculpas para ter 2 milhões de cidadãos fardados nas suas Forças Armadas, dos quais apenas uns parcos 5% são verdadeiramente projectáveis; já não têm desculpas para gastar tão mal os €200 mil milhões que gastam na defesa; já não têm desculpas para investir apenas 1,5% dos orçamentos de defesa em R&D [Research and Development], enquanto os EUA gastam 9%; já não têm desculpas para resistir à abertura dos mercados nacionais de equipamento de defesa aos seus parceiros europeus, de forma a poderem continuar a sustentar programas industriais nacionais que resultam em redundâncias e em desperdícios; já não têm desculpas para adquirir equipamentos dispendiosos que nada têm a ver com os compromissos multilaterais de cada país - e que por vezes são adquiridos em processos opacos que servem para encher os bolsos de alguns decisores políticos, mais do que os interesses nacionais, caso dos submarinos, dos helicópteros EH 101, etc, etc...;
· Enfim, já não há desculpas políticas, em Portugal ou em qualquer outro país normalmente apelidado de atlanticista e já não nos podemos esconder atrás das saias de Washington, ou de Londres: chegou a hora de apostar sem inibições na União Europeia como força catalisadora e modernizadora da defesa europeia;
· Os EUA decidiram tratar a UE como um actor político, económico e estratégico autónomo; agora só falta nós, europeus, nos levarmos a sério;
· Mas na verdade vai ser difícil pôr fim a anos de debates simplistas, em que PESD e NATO eram apresentadas como religiões em guerra, cada uma alistando os seus sacerdotes e os seus acólitos para as trincheiras de um combate sem sentido, cada uma envolvida em ferozes campanhas proselitistas e acusando os seguidores da outra de heresia contra os interesses da Europa;
· E nenhuma instituição reflecte melhor o vasto espectro de opiniões neste debate do que o Parlamento Europeu: temos lá de tudo, dos pacifistas que vêem, tanto a União Europeia (através da PESD), como a NATO, como organizações belicistas ao serviço do imperialismo capitalista, àqueles que têm vergonha de ser europeus e que anseiam por sair da União Europeia para estabelecer uma confederação com os EUA...;
· Por isso tem sido particularmente interessante participar no debate sobre o primeiro relatório do Parlamento Europeu que lida com a questão das relações entre a União Europeia e a NATO e que votaremos em Plenário na próxima semana; juntamente com outro colega, fui incumbida de acompanhar este relatório em nome do Grupo Socialista;
· Curiosamente o relator responsável por este relatório é um homem certamente conhecido de muitos de vós: Ari Vatanen, o antigo piloto de ralis!;
· A versão original do relatório, antes das emendas socialistas e de outros colegas, ainda reflectia a visão clássica atlanticista da UE como organização menor e insignificante para a defesa europeia; enfatizava a importância, e passo a citar, da "perspectiva da integração euro-atlântica das democracias", ignorando as especificidades europeias em matéria de segurança e defesa e aquilo que, por vezes, nos separa dos nossos Aliados americanos:
· O relator queria deixar consagrada especificamente a ideia de que, e, mais uma vez passo a citar, "a única forma lógica de organizar a futura defesa colectiva da UE é no seio da Aliança";
· Uma maioria das forças políticas do PE achou inaceitáveis estas expressões categóricas de subordinação da União Europeia à NATO nas questões de segurança e defesa;
· O resultado das negociações, na base de centenas de emendas apresentadas ao relatório original, foi bastante satisfatório para aqueles que, como eu, acreditam numa relação de autonomia e de complementaridade entre as duas organizações;
· Por exemplo, o primeiro parágrafo da resolução contém agora a seguinte passagem importante:

"A capacidade da União Europeia de construir a paz depende do desenvolvimento da estratégia de segurança apropriada, incluindo a capacidade para agir autonomamente e uma relação eficiente e complementar com a NATO";

· Quanto à defesa colectiva da União, a linguagem que ficou é bem melhor do que a original:

"[o Parlamento] defende que o futuro da defesa comum da União Europeia deve ser organizado em cooperação com a NATO tanto quanto possível"

· Mais interessante ainda, é, talvez, uma passagem que faz parte do parágrafo sobre Berlim Plus, mas que tem um alcance político bem mais ambicioso do que esses acordos:

"[o Parlamento] considera, portanto, necessário o fortalecimento da relação entre NATO e União Europeia, através da criação de estruturas permanentes de cooperação, sem prejuízo da natureza independente e autónoma de ambas as organizações, e sem excluir a participação de qualquer membro da NATO e da União Europeia que se queira associar"

· Em suma, a versão deste relatório que será votada em plenária na semana que vem reflecte de uma forma muito mais fidedigna o actual estádio do debate europeu sobre o futuro das relações EU-NATO - que pode ser resumido nos seguintes pontos:

1. Primeiro, NATO e União Europeia são organizações autónomas, independentes e de natureza distinta, com razões de ser diferentes; apesar das novidades contidas no Tratado de Lisboa, a defesa colectiva da Europa continua a ser apanágio da Aliança Atlântica; já a União Europeia suplanta a NATO na gestão de crises complexas, em que importa aplicar paralelamente uma série de instrumentos de acção externa, incluindo a força militar;
2. Segundo, os acordos de Berlim Plus são o mínimo denominador comum para as relações entre as duas instituições, mas é preciso ir muito mais longe, tendo em conta a presença de ambas as organizações no teatro de operações afegão e a importância de estabelecer um diálogo entre as duas instituições em domínios tão diversos como a luta contra o terrorismo e a segurança energética;
(A propósito de Berlim Plus, uma pequena nota sobre a disputa cipriota-turca, que tem contribuído bastante para o impasse em que se encontram as relações entre a NATO e a UE; acima de tudo ela é resolúvel: os Estados Membros da União têm que convencer o Chipre a desistir das suas objecções a uma participação mais intensa da Turquia nos instrumentos da PESD; por seu lado, os EUA e a UE devem pressionar a Turquia no sentido de não bloquear a assinatura, por parte do Chipre, de um acordo de Partnership for Peace com a NATO. Tendo em conta a détente transatlântica a que assistimos e o consenso crescente sobre a necessidade imperativa de um aprofundamento do diálogo entre NATO e a EU, penso que nem Nicósia nem Ancara vão poder continuar a defender, durante muito mais tempo, as suas posições irredutíveis. E acima de tudo não se pode continuar a permitir que turcos ou cipriotas tomem a comunidade transatlântica refém de uma disputa bilateral, independentemente do mérito das suas respectivas posições.)
3. Terceiro, os Estados Membros da União Europeia têm agora de provar que são capaz de vencer a tradicional inércia europeia no que diz respeito às questões de defesa e têm que criar as condições para que, gradualmente, a União Europeia vá sendo capaz de assumir mais responsabilidades; para isso vai ser necessário mudar radicalmente a abordagem europeia na área das capacidades. E é assim que passamos para a segunda parte desta intervenção;

· AS CAPACIDADES são o tendão de Aquiles europeu; a equação estratégica é simples: enquanto a Europa não tiver as capacidades militares necessárias para assumir as suas responsabilidades na gestão de crises, todo o edifício institucional da PESD e as resmas de documentos estratégicos e doutrinários entretanto produzidos, não servem para grande coisa;
· A dimensão civil da PESD é importante e tem avançado bem. Mas a incapacidade dos Estados Membros da União Europeia em levar a cabo reformas orçamentais, militares e administrativas essenciais, põe em perigo as aspirações da União a ser vista, e respeitada, como um actor autónomo nas relações internacionais, onde infelizmente a força militar continua a ter a sua utilidade;
· Mesmo o Reino Unido e a França, nos seus Livros Brancos para a Defesa, de 2003, e 2008, respectivamente, reconhecem que não há nenhuma nação europeia que consiga comprar, desenvolver ou sustentar no terreno todas as categorias de armamento de que precisa;
· No presente contexto estratégico, em que nenhum Estado europeu quer desistir completamente das capacidades necessárias para a defesa territorial, mas em que as forças armadas europeias se envolvem cada vez mais em missões expedicionárias, e em que as pressões sobre os orçamentos de defesa não param de aumentar, só há soluções multinacionais: a partilha, ("pooling") de capacidades existentes e da sua manutenção, o desenvolvimento e aquisição conjuntos de capacidades novas, o investimento conjunto em R&D etc;
· Bem sei que programas como o A400M ou o Eurofighter têm revelado os defeitos de programas multinacionais, mas a solução não pode ser o 'cada um por si' do costume: a Europa - e com ela a PESD, mas também o pilar europeu da NATO - será reduzida à insignificância militar no futuro muito próximo se não começarmos a planear, a desenvolver e a comprar capacidades colectivamente;
· Por outras palavras, a construção da Europa da Defesa é a condição sine qua non para a sobrevivência da Defesa na Europa;
· Claro que o desenvolvimento de capacidades é uma área onde NATO e União Europeia têm a obrigação de trabalhar em conjunto. Infelizmente, as duas organizações não coordenaram suficientemente os seus respectivos planos de desenvolvimento de capacidades; o desfasamento entre o European Capability Action Plan, da União Europeia, e o Prague Capabilities Commitment, da NATO, acabou por ter o efeito de desencorajar os Estados Membros de cumprir qualquer um deles...;
· Mas na verdade o problema fundamental não está em Bruxelas, nas duas instituições - a NATO há mais tempo, a União Europeia, através da Agência Europeia de Defesa, mais recentemente - que tentam desesperadamente convencer os Estados Membros a mudar os velhos hábitos do autismo ao nível da aquisição de capacidades;
· As lacunas europeias são conhecidas de todos. E só uma REAFECTAÇÃO AMBICIOSA DOS ORÇAMENTOS NACIONAIS pode preenchê-las:
1. Primeiro, há uma abundância de algumas capacidades pouco úteis e uma falta crónica de outras - por exemplo, não precisamos de milhares de tanques pesados por essa Europa fora, preparados para a "vaga vermelha" que, felizmente, acabou por nunca vir;
2. Segundo, há uma duplicação desnecessária de alguns programas industriais de armamento; um dos casos clássicos é o dos carros blindados de combate, os Armored Fighting Vehicles, dos quais há mais de 20 modelos na Europa;
3. Terceiro, há uma lacuna crónica de 'capacidades de projecção', como o transporte estratégico, ou capacidades C3 [comando, controlo, comunicações];
4. Quarto, há uma tendência perigosa para a canibalização dos já de si modestos orçamentos militares para fins não-militares;
· Em suma, vinte anos depois da queda do Muro de Berlim a Europa continua a efectuar a transição entre capacidades do tempo da Guerra Fria para capacidades do século XXI, e dos imperativos materiais da defesa territorial para os das missões militares expedicionárias - mas a um ritmo lento, terrivelmente lento; tão lento, que pode vir a ser fatal para as forças armadas europeias; vou ser muito franca com as senhoras e os senhores: a dramática erosão dos orçamentos de defesa nacionais à escala continental vai continuar enquanto os contribuintes não compreenderem para que servem as Forças Armadas;
· É verdade que somos nós, os políticos, que temos que explicar aos cidadãos a importância de ter umas Forças Armadas modernas e preparadas para defender os interesses nacionais e infelizmente não há muitos capazes, ou sequer interessados, em fazê-lo; mas sem a ajuda das chefias militares não vamos lá: é preciso que as Forças Armadas se queiram modernizar e queiram participar na inevitável construção de uma Europa da Defesa;
· Porque os interesses nacionais portugueses hoje em dia, sejamos realistas, não são a defesa da fronteira nacional contra uma invasão russa, ou mesmo espanhola; Portugal, como país de dimensão média, tem todo o interesse em se afirmar perante os seus pares europeus com uma forças armadas relativamente pequenas, especializadas, modernizadas, altamente expedicionárias e abertas a iniciativas de colaboração com as suas congéneres europeias;
· Nesse sentido só posso exprimir o meu apoio incondicional às medidas anunciadas no seguimento da XXIV Cimeira Luso-Espanhola:
1. Primeiro, a Declaração de Intenções sobre o intercâmbio académico no domínio militar, uma medida que não só contribuirá para a interoperabilidade entre as duas Forças Armadas, como reforçará a participação de Portugal e Espanha no Erasmus militar europeu;
2. Segundo, a Declaração de Intenções entre os Ministérios da Defesa de Portugal e Espanha relativa à Cooperação no domínio do Armamento e Indústrias de Defesa: fala-se em particular nas áreas da aeronáutica (com um pacote que contempla os helicópteros EC 135 e a aeronave A400M), do sector naval, da manutenção de viaturas blindadas e mecanizadas, do estudo comum de identificação e aprofundamento das possibilidades de cooperação no domínio dos UAVs, dos programas internacionais de observação terrestre e dos assuntos europeus;
3. Terceiro, uma Declaração Comum entre o CEMGFA português e o seu congénere espanhol, no sentido de reforçar a cooperação entre as Forças Armadas de ambos os países;
· Tudo isto é muito animador e espero sinceramente que haja vontade de ambos os lados da fronteira para passar rapidamente das declarações aos actos, custe o que custar;
· E parece-me que é aqui que entra a UE; não foi a NATO que criou o clima de aproximação entre Lisboa e Espanha que permite este tipo de colaboração; só a União Europeia consegue unir os seus membros com laços económicos, culturais, políticos e históricos num destino europeu partilhado; temos que fazer uso do embalo da integração política e da partilha de soberania que só a UE oferece, para guiar os Estados Membros nas escolhas difíceis que se impõem ao nível da defesa e das capacidades;
· Eu posso estar enganada, e a União Europeia pode vir a falhar onde a NATO nunca triunfou - no desafio da especialização e da modernização das Forças Armadas e da partilha das capacidades;
· Mas a União Europeia merece o benefício da dúvida; com a panóplia de instrumentos institucionais, legais e políticos à nossa disposição - da Agência Europeia de Defesa, à Comissão Europeia, com as suas crescentes responsabilidades na construção de um mercado europeu de equipamento de defesa, passando pelo diálogo político no âmbito da Política Europeia e de Segurança Comum e pela inevitável peer pressure que o acompanha - se a União Europeia não consegue convencer os seus Estados Membros a pensar, planear, desenvolver e empregar colectivamente capacidades militares, se a União não consegue cortar este nó górdio, ninguém consegue;
· Chegamos agora à última parte da minha intervenção: AS OPERAÇÕES;
· Não me vou debruçar aqui sobre todas as operações militares da UE desde 2003; no entanto uma coisa fica clara: ninguém hoje põe em causa a sua utilidade; lembro apenas que a missão Artémis no verão de 2003, serviu como 'ponte operacional' entre a MONUC I e a MONUC II no Leste do Congo e contribuiu substancialmente para pôr fim às maiores atrocidades que se cometiam na região à volta de Bunia, perto da fronteira entre a República Democrática do Congo e o Uganda;
· Que sem a missão EUFOR RDC de 2006 e as manobras de interposição robustas e atempadas dos contingentes europeus em Kinshasa, as primeiras eleições livres daquele país teriam certamente degenerado em mais uma guerra civil sangrenta;
· Que, finalmente, neste momento, estão nos territórios do Chade e da República Centro-africana mais de 3.300 soldados europeus a contribuir para a criação de espaço humanitário numa região devastada por guerras civis e interétnicas e, claro, pela catástrofe do Darfur;
. Claro que a presença da PESD no terreno não trouxe automaticamente a paz para onde antes havia guerra; a razão é simples: estas operações não têm vocação para resolver conflitos políticos, pôr fim à miséria, ou combater as injustiças económicas e políticas que tanto contribuem para o sofrimento das populações civis;
· Nada disto nos deve surpreender: nós todos sabemos que a força militar - apesar de às vezes ser indispensável - não faz milagres; ela não passa de um instrumento de utilidade limitada, em qualquer situação de gestão de crises; se, como europeus, temos falhado nas regiões de crise, isto tem mais a vez com a timidez com que fazemos uso das nossas outras ferramentas de acção externa na resolução de conflitos, do que com as falhas da dimensão militar da PESD;
· Mas uma coisa é clara: a dimensão militar da PESD provou ser um valor acrescentado; e, como eu já aqui disse, a UE - através da PESD - tem-se mostrado disponível para agir militarmente em áreas onde os nossos aliados americanos - e portanto a NATO - não querem, ou não podem agir;
· Mas falemos agora de uma questão que, apesar de ser de natureza institucional e de ter estado na origem de consideráveis atritos políticos, tem fortes implicações operacionais e militares: a questão do Quartel-general Operacional permanente da União Europeia;
· Como todos sabem, neste momento a União Europeia não possui uma capacidade própria, autónoma de planear e conduzir missões militares; tem um Operations Center embrionário em Bruxelas, que só é activado quando duas condições são preenchidas:
1. Primeiro, a operação militar em causa não é feita no âmbito dos acordos de Berlin Plus (já que, se fosse esse o caso, a operação seria planeada e conduzida a partir de estruturas da NATO);
2. Segundo, nenhum dos cinco Quartéis-Generais nacionais postos à disposição da PESD está disponível.
· De facto, a maior parte das missões militares da PESD tem sido planeada e conduzida a partir de um dos tais cinco Quartéis-Generais nacionais; este 'nomadismo operacional' tem funcionado na prática, mas a que preço: dominam a improvisação, a ausência de memória institucional e operacional e o desperdício de dinheiro e talento; isto sem sequer mencionar as implicações simbólicas de um actor militar como a UE estar desprovido de um órgão permanente e autónomo para levar a cabo as suas operações;
· Os nossos aliados americanos já abandonaram as suas reticências em relação à criação de um Quartel-General permanente para a PESD; parece que neste momento as objecções principais vêm do Reino Unido e tudo indica que se inverteram os papéis tradicionais - agora é Washington a tentar influenciar Londres no sentido de permitir a aquisição, por parte da União Europeia, desta importante peça institucional-operacional que falta ao puzzle da PESD;
· E o que se responde àqueles que temem a duplicação das estruturas de planeamento e condução de operações já existentes na NATO?;
· Simplesmente isto: uma das soluções possíveis seria a de oferecer à NATO a opção de conduzir missões conjuntas com a PESD nos casos em que ambas as organizações se sintam vocacionadas para ir para o terreno - ocorre-me uma possível operação no Darfur onde, no passado, ambas as organizações se mostraram disponíveis para intervir; e nessas missões conjuntas a NATO poderia liderar o planeamento, fazendo também uso dos recursos postos à sua disposição pelo Quartel-general permanente da UE;
· Mas para aquelas operações em que a PESD age autonomamente, a Europa faria uso das suas próprias capacidades de planeamento e das suas próprias capacidade de condução das operações; a razão é simples e já a referi mais acima: a União Europeia é um animal político diferente da NATO, com objectivos diferentes da NATO, que merece ser equipado com os meios institucionais e operacionais de que necessita para fazer o seu trabalho bem feito;
· Termino com algumas palavras sobre a velha questão da divisão de tarefas entre NATO e União Europeia - essencialmente a questão "quem intervém onde?";
· Em relação a este debate parece-me importante evitar atitudes rígidas, baseadas num dogma qualquer, decidido longe das realidades políticas e operacionais no terreno;
· Volto a referir o relatório do Parlamento Europeu sobre as relações entre a União Europeia e a NATO para ilustrar os termos do debate;
· O relator, Ari Vatenen, reduzia originalmente a partilha de tarefas entre NATO e UE a uma simples questão de capacidades militares e defendia que as organizações (e passo a citar):

"...desenvolvessem uma cooperação mais profunda assente num espectro de acção combinado, em que cada uma das organizações cobriria partes do espectro para as quais a outra actualmente não tem capacidade de resposta"

· Esta abordagem é redutora e ignora as questões fundamentais da utilidade da intervenção, da vontade política das respectivas organizações e da aceitação das organizações no teatro de operações; por isso propus uma emenda que, julgo, reflecte melhor a complexidade desta questão; felizmente esta emenda colheu o apoio quase unânime dos meus colegas deputados e esta passagem - fundamental para a questão da complementaridade da PESD com a NATO ao nível operacional - passou a defender que a NATO e a União Europeia pugnassem por (e passo a citar):

"...uma cooperação em operações de gestão de crises assente numa divisão de tarefas pragmática; [o Parlamento Europeu] considera que a decisão sobre qual das organizações deve ser chamada a empregar forças deve basear-se na vontade política exprimida pelas duas organizações, nas necessidades operacionais, na legitimidade política no terreno, e na respectiva capacidade de contribuir para a paz e para a segurança;"
· Tomemos o exemplo de Gaza; imaginemos que amanhã, no contexto de umas tréguas a longo prazo entre o Hamas e Israel, é decidido o envio de uma força militar de interposição internacional e que ninguém, para além da Europa e dos Estados Unidos mostra grande entusiasmo em arriscar as suas tropas no vespeiro do conflito israelo-palestiniano; parece-me evidente que a NATO - baseando-se nas capacidades americanas - seria capaz de mobilizar mais tropas e meios; também não seria difícil de imaginar que a NATO estaria disposta a empregar regras de empenhamento [rules of engagement] mais robustas que a UE;
· Mesmo assim, é infinitamente mais provável que, entre as duas, fosse a União Europeia a escolhida para intervir; a identificação da NATO com os EUA e as consequências de oito anos de desequilíbrio na acção diplomática e militar americana na região condenariam uma missão da NATO no terreno ao fracasso; já falámos da questão da legitimidade no contexto da relevância política da PESD, agora abordamo-la da perspectiva operacional;
· Julgo que, mutatis mutandis, as mesmas conclusões se aplicam a uma possível intervenção ocidental no Darfur;
· Concluindo, a divisão de tarefas entre União Europeia e NATO não pode depender de dogmas político-militares cozinhados em Bruxelas, ou em Washington, mas antes dos imperativos políticos e operacionais no terreno;
· A questão que temos que ser capazes de responder em situações de crise é sempre a seguinte: qual das duas organizações vai ser útil no terreno?; e estou convencida que diferentes situações, diferentes conflitos, suscitarão respostas diferentes;
· Fico à disposição para as vossas perguntas ou pedidos de esclarecimento.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2009

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