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10 de julho de 2008

O contrário da credibilidade 

Por Vital Moreira

Depois de seis anos desprestigiantes no governo e na oposição, o PSD decidiu iniciar um novo ciclo partidário com uma ofensiva contra as "obras públicas" e com a proposta de desviar recursos públicos do investimento produtivo para transferências sociais. Todavia, com essa proposta - que ficaria bem na esquerda radical ou num partido populista -, o PSD põe em risco toda a credibilidade política de que um partido de centro-direita necessita para disputar o poder.

Comecemos pelo óbvio. O investimento em infra-estruturas, a começar pelas de transportes (aeroportuárias, portuárias, ferroviárias e rodoviárias), constitui uma condição de modernização e de desenvolvimento económico, em especial entre nós, dado o nosso atraso estrutural e a situação periférica do país. Sucede que, por várias razões, tais investimentos sempre dependeram do poder público, directa ou indirectamente, independentemente do maior ou menor papel do Estado na economia, desde Fontes Pereira de Melo, em pleno liberalismo oitocentista, até Cavaco Silva, em pleno movimento de desintervenção do Estado na economia, há duas décadas.

O investimento público em infra-estruturas torna-se ainda mais importante nos períodos de défice de investimento privado e de abrandamento económico, como o actual, provocado pelo crash do crédito imobiliário nos Estados Unidos e pelo disparo do preço do petróleo nos mercados internacionais. Embora programados desde antes, os investimentos públicos que estão a ser lançados neste momento em Portugal podem constituir um forte contributo para moderar o impacto negativo da dupla crise, em termos de sustentação e dinamização do crescimento e do emprego.

A súbita investida da nova liderança do PSD contra tais investimentos padece de dois vícios fatais. Primeiro, significa que o PSD decidiu cavalgar oportunistamente as actuais dificuldades económicas e sociais - que não pode imputar ao Governo -, para apostar no "quanto pior melhor", tentando impedir os efeitos virtuosos que tais investimentos podem ter na resposta ao duplo choque externo. Em segundo lugar, esta atitude oportunista faz incorrer o PSD numa série de contradições que só podem reduzir, e não recuperar, a sua credibilidade.

A primeira contradição tem a ver com a herança modernizadora do PSD, sobretudo na sua versão "cavaquista". Numa liderança que valoriza a obra do antigo primeiro-ministro, que protagonizou durante uma década (1985-1995) um claro impulso "neofontista" na modernização e no desenvolvimento económico, haverá algo de mais "anticavaquista" do que o ataque aos investimentos em infra-estruturas, bem como a proposta de trocar investimento de capital por transferências sociais, que aliás não estão em risco?

A segunda contradição decorre da óbvia incompatibilidade com a crítica reiterada que o PSD fez ao PS ao longo destes três anos de governação, por estar a sacrificar o investimento público em favor da disciplina orçamental (que o PSD deixara em estado comatoso). Fará algum sentido que apareça agora a criticar esse mesmo investimento, justamente quando a folga orçamental conseguida com a disciplina financeira já o permite fazer sem riscos para a consolidação das finanças públicas nem para a necessária protecção social?

A terceira contradição - porventura a mais comprometedora em termos de credibilidade política - tem a ver com a selecção do projecto ferroviário do TGV como alvo privilegiado da fatwa contra os investimentos públicos em "infra-estruturas supérfluas". De facto, não será evidente que o actual projecto de TGV não passa de uma versão compactada do ambicioso programa acordado em Janeiro de 2004 com Espanha pelo Governo de Durão Barroso - do qual fazia parte, como ministra das Finanças, a actual líder do PSD! -, quando as condições financeiras do país eram incomensuravelmente menos confortáveis e quando as razões a favor da rede de bitola europeia de alto desempenho eram menos evidentes do que hoje, por causa do impacto negativo dos preços dos combustíveis e dos seus custos em emissões de CO2 sobre o transporte rodoviário e aéreo?

Não é menos contraditório, nem menos oportunista, o pretexto invocado para o cancelamento dos investimentos, ou seja, uma alegada situação de "emergência social", propositadamente empolada para tentar justificar essa proposta de fácil cariz populista, que é mais própria de um partido "peronista" ou "chavista" do que de um partido de centro-direita com orientações liberais em matéria económica e falta de antecedentes em matéria de "justicialismo" ou de assistencialismo social.

Sucede que nunca houve um volume de transferências orçamentais para fins sociais tão elevado como agora, incluindo medidas destinadas às camadas mais vulneráveis (que aliás não se devem ao PSD), como o rendimento social de inserção (RSI), o complemento de rendimento para pensionistas pobres, o aumento do abono de família para as famílias pobres, os apoios à maternidade, a elevação do salário mínimo acima da inflação, etc. As próprias IPSS, que o PSD agora pretende instrumentalizar em seu benefício político, nunca beneficiaram de tantas ajudas do Estado como agora.

Acresce que, como se viu, só o investimento público (e o investimento privado que ele arrasta) é que pode atenuar e abreviar o agravamento da situação social. O melhor remédio para a crise social é estimular o crescimento económico, criando emprego e rendimento, bem como gerando receitas fiscais para melhor responder às carências sociais, de forma sustentada e não somente efémera.

Com a sua cruzada demagógica e populista contra os investimentos públicos - mesmo quando eles envolvem pouco ou nenhum gasto público -, o PSD começa muito mal a sua pré-campanha eleitoral antecipada, na visível ânsia de voltar ao poder a qualquer custo.

Publico, terça-feira, 01.07.2008

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