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11 de junho de 2008

Manter o rumo, na tempestade 

Por5 Vital Moreira

É evidente que a crise financeira e a escalada dos preços dos combustíveis, ambas vindas do exterior, "tramaram" os projectos do Governo para o final da legislatura, com inevitável impacto nas perspectivas eleitorais do próximo ano. Porém, mais do que lamentar a "injustiça" da situação, convém manter o rumo e fazer o que tem de ser feito. A têmpera de um governo mede-se sobretudo pela lucidez e pela determinação no meio das dificuldades inesperadas e exógenas.

Antes disto, o guião era claro e as perspectivas eram fagueiras. Concluído o essencial das inóspitas reformas do sector público e registado o notável sucesso na saída da situação de "défice excessivo", era chegada a altura de tirar partido do crescimento da economia e do emprego, da folga das finanças públicas, da descida de impostos e do aumento das despesas sociais e do investimento público. O crescimento de quase 2 por cento registado em 2007, os indicadores de aumento do emprego, a anunciada redução do IVA e a implícita promessa de uma redução ulterior, tudo isso alimentava fundadamente a esperança de um círculo virtuoso de crescimento económico e de investimento público, de aumento das receitas fiscais e de despesas sociais.
Esse quadro está, porém, decididamente prejudicado pelo impacto da crise financeira e sobretudo da imparável subida do petróleo, com efeitos no encarecimento do crédito, dos transportes e das actividades mais dependentes dos combustíveis, e indirectamente de toda a economia. O crescimento económico foi revisto em forte baixa (de 2,2% para 1,5%), com inevitáveis reflexos negativos sobre o emprego, mesmo que com o habitual desfasamento temporal. A menor actividade económica gerará menos receitas fiscais e menores disponibilidades financeiras para o investimento público e para as despesas sociais. O panorama mudou, decididamente.

Há duas maneiras de reagir a esta emergência política. Uma consiste em recorrer a medidas avulsas de curto prazo para tentar salvar as perspectivas eleitorais, sacrificando os resultados alcançados até agora na reforma do Estado e na disciplina das finanças públicas. Tal seria o caso, por exemplo, da intervenção administrativa nos preços dos combustíveis ou da redução substancial da sua carga tributária, da cedência às reclamações de tratamento especial dos grupos e sectores mais directamente afectados (como os transportes ou o sector da pesca), de suspensão das decisões em curso de implementação (por exemplo, a imposição de portagens em algumas Scut).
Outra via consiste, pelo contrário, em assumir como irreversível o novo "choque petrolífero" e, embora atenuando o impacto da crise sobre os sectores económicos e sociais mais vulneráveis, preparar o país para um novo paradigma económico definitivamente assente sobre o petróleo muito mais caro. Sem prejuízo da acção regulatória sobre a transparência e racionalidade na formação dos preços dos combustíveis - desde logo implementando com celeridade as medidas que sejam recomendadas pela Autoridade da Concorrência -, tornam-se necessárias novas medidas de poupança de combustíveis e de eficiência energética em geral - a começar no sector público, como exemplo -, de melhoria e de promoção dos transportes públicos, de busca de soluções globais a nível da UE para uma resposta conjunta a um problema comum.

Uma opção política clara e responsável em resposta à crise petrolífera é tanto mais necessária quanto é certo que a reacção de todas as oposições foi caracterizadamente errática e oportunista. Desde a exigência de intervenção no preço dos combustíveis (mas sem especificar os respectivos mecanismos nem os seus custos), passando pela exigência de redução da carga tributária sobre os mesmos (porém sem identificar o seu impacto financeiro nem as despesas sacrificadas pelo corte das receitas públicas) e pela proposta de medidas de resposta à "emergência social" (todavia sem definir os beneficiários nem os custos da operação), até às soluções de descida de impostos e de aumento generalizado da despesa pública, nada tem faltado em matéria de facilitismo demagógico e de irresponsabilidade política.

A verdade é que não há soluções salvíficas. Não pode esperar-se do Estado - seja em Portugal, seja noutro país qualquer - que pare administrativamente a subida dos preços ou que compense a perda de poder de compra que ela traduz para quase toda a gente. Sendo certo que as condições para enfrentar a situação são hoje bem melhores do que teria sucedido há três anos - quando qualquer abalo na receita ou na despesa pública poderia deitar a perder as metas de equilíbrio orçamental impostas pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento -, é também incontestável que o relativo alívio financeiro ainda está longe de proporcionar grande margem de manobra na redução da receita ou no aumento da despesa pública. Por isso, as medidas de impacto financeiro não podem deixar de ser pautadas por uma bem justificada prioridade política, em termos de ganhos económicos e sociais.

Por mais competente e responsável que seja a resposta governamental à crise, é evidente que quando a situação económica e social se degrada, mesmo por razões puramente exteriores, a culpa para muitos é sempre do governo-que-está. Sobre isso pouco há a fazer, para além da necessária "resignação democrática". Sucedeu a outros, há-de voltar a ocorrer no futuro. Muito pior seria, porém, somar a esse factor naturalmente adverso as consequências negativas adicionais resultantes de uma resposta à crise de forma politicamente oportunista, atabalhoada e inconsistente. Se há muitos eleitores disponíveis para penalizar sem apelo nem agravo o poder em funções, muitos outros há dispostos a valorizar a lucidez, a competência e a responsabilidade, bem como a firmeza política em situações difíceis.
O pior que pode suceder a um Governo responsável é ficar sem rumo na tempestade.

Público, 3ª feira, 3 de Junho de 2008

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