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26 de julho de 2007

Em busca da Direita perdida 

Por Vital Moreira

Há momentos assim, em que um pequeno factor, aparentemente sem importância de maior, serve de revelador de uma doença grave. Foi o que sucedeu com o comprometedor resultado da direita nas eleições municipais de Lisboa em relação à grave situação que ela atravessa.
A ostensiva crise da direita política é tanto mais sentida e notória, quanto é certo que ela coincide com a boa saúde da direita dos negócios (veja-se o sucesso do "Compromisso Portugal"), da direita social (como testemunham a multiplicação dos "eventos sociais" e da ostentação da gente grada) e da direita ideológica (desde imprensa e a blogosfera à academia). Existe, portanto, uma manifesta assimetria entre a ascendência e a auto-satisfação da direita sociológica, por um lado, e o mal-estar e o desamparo da direita política, por outro lado. Quais são as razões para o mau período que a direita política - melhor se diria, as direitas - atravessa(m)?
A primeira razão tem a ver, indubitavelmente, com a proximidade temporal do desastre dos governos de coligação de direita de 2002-2005. Passou ainda muito pouco tempo para que o país possa esquecer a má experiência desses dois governos, e do seu estendal de inépcia e de irresponsabilidade política. Enquanto persistir a memória política da "fuga" de Barroso para Bruxelas e da "bagunça" de Santana Lopes, os partidos da direita vão ter muito que penar antes de recuperar a sua imagem de forças de Governo responsável.
A segunda razão está indubitavelmente ligada ao sucesso do Governo de Sócrates, que cooptou as tradicionais credenciais da direita em matéria de rigor governativo e de reformismo modernizador. O Governo PS está a fazer aquilo que o PSD e o PP propuseram mas não foram capazes de fazer em matéria de disciplina financeira e de reforma da administração pública, bem como de sustentabilidade dos serviços públicos (segurança social, saúde e educação), ainda por cima num quadro de crescimento económico, mesmo se moderado, e de modernização da economia do país. Por via de regra, não são as oposições que ganham o poder, mas sim os governos que o perdem. Quando um Governo tem maioria absoluta e dá conta do recado, as perspectivas das oposições diminuem, tanto mais quanto o tempo passa e as novas eleições se aproximam sem perspectivas de inverter a situação.
A terceira razão decorre da incapacidade da direita, em especial do PSD, para ficar fora do poder por muito tempo. Tendo passado a maior parte do regime democrático no Governo, a direita fica nervosa na oposição. Falta-lhe a paciência que as convicções dão e a perspectiva histórica conforta. Menos partidos de valores e de projectos do que de interesses e de clientelas, os partidos de direita ficam como peixe fora de água quando deixam de ter o poder para alimentar uns e outras. Uma vez que os seus quadros políticos provêm maioritariamente do mundo das profissões liberais e dos negócios, que facilmente desertam da acção política às primeiras dificuldades, falta-lhes um núcleo suficientemente denso de políticos profissionais capaz de aguentar as agruras e a falta de perspectivas de um longo período na oposição.
Outra razão, porventura a fundamental, decorre da inconsistência programática dos partidos da direita entre nós e da falta de valores e projectos suficientemente identificadores e apelativos para a sua base social-eleitoral. Enquanto o CDS-PP tem oscilado ciclicamente entre uma democracia-cristã conservadora e um liberalismo de direita, o PSD é o produto de uma aliança heteróclita entre vagas reminiscências sociais-democratas, que apelam para os sectores sociais do centro-direita - e mesmo para uma pequena base sindical centrada no funcionalismo e nos serviços - e um neoliberalismo económico que procura cativar os círculos de negócios.
Incapazes de abraçar assumidamente um modelo liberal estreme e de descartar o Estado social - o que seria politicamente suicidário num país como o nosso -, nem o PP nem o PSD, sós ou em conjunto, conseguem estabelecer-se como alternativa credível face a um PS governamental que tem muito mais pedigree do que eles em matéria de políticas sociais e que se converteu entretanto às virtudes da economia de mercado e do liberalismo económico, bandeiras tradicionais da direita. Se se passarem em revista as posições do PSD ao longo destes dois anos de oposição - desde a estrambótica proposta de despedimento súbito de centenas de milhares de funcionários públicos (à custa de uma vultuoso endividamento do Estado), até à recente proposta oportunista da descida imediata dos impostos (pondo em risco o reequilíbrio orçamental) -, nada nas propostas do PSD revela estudo, consistência, muito menos capacidade mobilizadora. Nenhum partido se pode tornar numa alternativa de Governo com uma conduta errática e desvertebrada na oposição.
É curioso verificar que enquanto o PS fez a longa travessia do deserto do período cavaquista - nada menos de dez anos - com assinalável paciência democrática e sacrificando ingloriamente dois líderes (Vítor Constâncio e Jorge Sampaio), o PSD e o PP não conseguem esconder o seu nervosismo e a sua impaciência ao fim de dois anos de oposição, face ao receio de continuarem fora do poder por mais quatro anos a contar de 2009. A razão está em que o PSD (tal como o PP) vive mal fora do poder e carece de um mínimo de valores de projectos programáticos que alimentem a persistência e a confiança na luta política.
Esgotado o ciclo da liberalização económica e das privatizações e cooptados pelo PS os valores da economia de mercado e da modernização e eficiência do Estado, o PSD vai ter de fazer um grande esforço de renovação política e doutrinária para reencontrar um espaço ganhador no nosso quadro político. Mas para isso são necessárias três coisas que por ora escasseiam na direita: ideias, protagonistas e... paciência.

(Publico, terça-feira, 24 de Julho de 2007)

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