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12 de março de 2007

Proibido falhar 

Por Vital Moreira

Sem serem espectaculares, não deixam porém de ser animadores os resultados recentemente anunciados sobre a diminuição da procura judicial e sobre a melhoria da eficácia judicial. Todavia, sendo importante e logicamente prioritário, o descongestionamento dos tribunais é somente um primeiro passo no caminho para aumentar a eficácia e a eficiência do sistema judicial, diminuir substancialmente a morosidade e os seus custos e reconciliar os cidadãos com a justiça.
Pelos dados oficialmente disponibilizados, o número de processos entrados nos tribunais diminuiu consideravelmente, tendo também diminuído, embora marginalmente, o número de processos pendentes, invertendo as anteriores taxas de substancial crescimento dos dois referidos agregados e revertendo uma tendência que parecia uma verdadeira "lei de bronze". E estes resultados são tanto mais virtuosos quanto é certo que o "plano de descongestionamento" que os permitiu consiste em medidas de efeitos renováveis, como é o caso da descriminalização das contravenções e transgressões, transferidas para a esfera do direito sancionatório administrativo, o aumento do limiar para a criminalização dos cheques sem provisão, a eliminação preventiva de acções de cobranças de prémios de seguros, o maior recurso à "injunção" para cobrança de dívidas, a dispensa de decisão judicial para a certificação de dívidas incobráveis para efeitos fiscais, a desconcentração da competência judicial para tribunais menos congestionados (por exemplo, o tribunal do domicílio do devedor na cobrança de dívidas), etc.
No entanto, sendo decisiva - ao contrário da tentativa de desvalorização por alguns observadores -, a redução do número de processos é somente um factor entre os que são necessários para a imprescindível diminuição da ineficácia e da morosidade do nosso sistema judicial. Por um lado, não é credível pensar num corte continuado das pendências judiciais, dado que os factores de litigância não cessam de crescer (aumento do incumprimento de obrigações pecuniárias nas vendas a crédito, da criminalidade, da consciência dos direitos, do número de advogados, das garantias judiciais, etc.). Por outro lado, existem outros factores "estruturais" que pesam sobre o desempenho da justiça, que têm a ver com a organização judiciária, a complexidade processual e o facilitismo em matéria de recursos, a insuficiência de meios humanos e materiais em algumas áreas, a deficiência do controlo sobre a produtividade dos operadores judiciais. Há um claro défice de eficiência no nosso sistema judicial. Os meios disponíveis - por exemplo, o nosso número de juízes supera a média europeia - deveriam proporcionar melhores resultados, se fossem mais bem aproveitados.
Os diagnósticos estão feitos e as propostas de solução são conhecidas. Há que implementar decididamente as reformas enunciadas (várias delas já iniciadas), designadamente um novo mapa judiciário, a especialização dos tribunais e dos juízes, a racionalização e simplificação dos meios processuais (de que é exemplo o regime experimental em processo civil) e em especial dos recursos judiciais, a desmaterialização de processos e a generalização dos meios electrónicos, uma gestão profissional dos meios logísticos (edifícios, equipamentos, pessoal, aquisições, etc.), a avaliação de desempenho dos tribunais e dos magistrados, etc.
Um sistema judicial que garanta uma boa e pronta justiça não é somente necessário para assegurar o cumprimento dos contratos e das obrigações, obter reparação para os danos sofridos por acção alheia, garantir a legalidade da actividade administrativa, punir os crimes e demais infracções às leis, como é próprio de um Estado de direito. Está em causa também o bom funcionamento da economia, a fluidez dos negócios, a cobrança das dívidas, o bom governo das empresas, a justiça nas relações de trabalho, a luta contra a corrupção, enfim a confiança dos agentes económicos. Não é por acaso que o funcionamento da justiça - não somente quanto à sua independência, qualidade e eficácia, mas também quanto a sua prontidão, custos e eficiência - figura entre os factores mais relevantes em qualquer avaliação de um país quanto à segurança dos investimentos e quanto ao ambiente económico em geral. A ineficiência da justiça não constitui somente uma falha numa das funções vitais de qualquer Estado, mas também um handicap quanto ao desempenho económico e à produtividade geral de um país.
São seguramente de louvar todas as medidas de desjudicialização, diminuindo a sobrecarga dos tribunais e dos juízes, quer pelo incentivo a mecanismos alternativos de resolução de conflitos (arbitragem, julgados de paz, auto-regulação e autocomposição de litígios, organismos administrativos independentes, etc.), quer retirando dos tribunais decisões que durante muito tempo sobrecarregaram os juízes com missões que não pertencem propriamente à função judicial e que sem prejuízo podem ser devolvidas a entidades administrativas, quer pela descriminalização de condutas que melhor podem ser punidas como ilícito contra-ordenacional. Mas tudo isso pode ser mais bem compreendido e justificado como medidas destinadas, não a diminuir a protecção judicial dos direitos privados e do interesse público, mas sim como meios para uma justiça mais eficiente, mais célere e de melhor qualidade.
É por isso que a reforma da justiça é seguramente uma das mais decisivas das reformas do Estado em curso. É bom começar a obter resultados visíveis; mas é proibido falhar.

(Público, terça-feira, 06.03.2007)

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