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16 de junho de 2006

AI TIMOR ! 

por Ana Gomes


Voltei triste e preocupada de Dili na semana passada. Conversei com o Presidente, o Primeiro Ministro, vários Ministros, o General Taur Matan Ruak, com os Bispos de Díli e Baucau e outros amigos timorenses. Estive com funcionários internacionais, diplomatas, jornalistas, cooperantes. Visitei as Madres Canossianas de Balide, que acolhiam já cerca de 8.000 pessoas. Subi às montanhas e vi as gentes que desertaram as ruas de Díli. Ouvi tiros. E vi os líderes timorenses, pela primeira vez em sintonia desde há muito, anunciando o humilhante pedido de forças estrangeiras para restabelecer a lei e ordem. Ficou-me o sentimento que este súbito descalabro podia ter sido evitado se uma solução para a crise política subjacente à de segurança tivesse sido facilitada e encontrada mais cedo.

Tudo começou com acusações de discriminação no seio das Forças Armadas, que uma comissão chefiada pelo Presidente Xanana investigou e confirmou em 2004. Comandantes, maioritariamente «lorosae» (oriundos do Leste da ilha), tendiam a promover conterrâneos em detrimento de novos recrutas «loromuno» (do oeste, as zonas mais populosas de Timor). Apesar dos avisos do Presidente, a solução foi tardando. Em Março, 600 «peticionários» foram desmobilizados por desobediência. Em 28 de Abril os protestantes foram infiltrados por bandos delinquentes e a Polícia, apesar de sobre-armada e treinada, falhou clamorosamente (e mais se acentuaram suspeitas de manipulação da rivalidade leste-oeste, sendo o Ministro do Interior um ?loromuno?). As forças armadas foram chamadas pelo PM, sem consulta ao PR, para intervir contra os rebeldes, resultando num disputado número de mortos. Mais grupos se rebelaram.

A crise de segurança evidenciou divergências profundas sobre a governação do país entre Presidente e Primeiro-Ministro, nada lhes beneficiando a autoridade. O sistema constitucional não facilita a derimição de conflitos de competências. O horizonte de eleições legislativas e presidenciais em 2007 não favorece a acalmia de tensões. E o Congresso da FRETILIN também nada ajudou, antes pelo contrário.

Face ao falhanço na defesa da lei e ordem, o Presidente quis assumir poderes excepcionais na segurança, como Comandante Supremo das Forças Armadas. O PM inicialmente recusou. Depois de horas de reunião em Conselho de Estado, acabou por ceder. Todos se esforçam por aparentar unidade. Mas a crise política pode continuar por resolver. E só será resolvida quando a confiança e diálogo institucionais entre Governo e Presidente possam ser realmente restabelecidos.

Independentemente da acção do seu Governo, o PM Mari Alkatiri tornou-se alvo da animosidade de sectores importantes da sociedade timorense. Reconhecido como competente pelos países doadores e tendo o apoio do seu partido, o PM não foi capaz de cultivar uma boa relação com outras instituições relevantes da sociedade timorense, designadamente a Igreja Católica (tanto mais crucial por ele ser muçulmano). A sua capacidade de comunicação é fraca, criando uma imagem de insensibilidade aos olhos de povo, que valoriza menos os progressos na estruturação do Estado do que o desemprego e pobreza de que continua a penar.

A animosidade contra o PM também se sente na Austrália, o incontornável vizinho de Timor Leste, onde sectores com interesses (petrolíferos) instalados nunca deixaram de apresentar o Estado de Timor Leste como condenado à falência.

Há quem se obstine em acusar mão estrangeira. Mas os líderes timorenses são, sem dúvida, os principais responsáveis pela crise profunda hoje vivida no país. Eles tinham a obrigação de ter aprendido com o passado ...

Por outro lado, o excessivo optimismo das Nações Unidas, da União Europeia e de Portugal resultou num distanciamento prematuro do esforço que exige o apoio a qualquer jovem democracia, ainda para mais num país que precisava de construir quase tudo a partir do zero. Qualquer que seja o desenlace desta crise, a comunidade internacional e Portugal, devem reflectir sobre erros e omissões. Para evitar outras no futuro. Em Timor Leste e não só.


publicado no COURRIER INTERNACIONAL, 2/06/2006)

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