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21 de maio de 2005

A banca e o betão 

Com a maior naturalidade, Portugal está a regressar ao modelo de acumulação de riqueza que melhor conhece e que tão bem serviu os interesses da burguesia nacional durante grande parte do século passado. O poder e o dinheiro estão na banca e no betão. Com a provável excepção do Luxemburgo, onde os serviços financeiros são praticamente a única indústria nacional, em nenhum outro país da zona euro o sector bancário detém uma tal influência na vida doméstica, tanto pública como privada. A sua prima directa, a fileira do imobiliário, adquiriu igual estatuto à custa de trabalho árduo e capacidade inovadora nas especialidades PDM e engenharia criativa, transformando-se numa best practice mundial. Hoje, a margem de intermediação e o metro quadrado urbanizável são as verdadeiras unidades de medida do sucesso nos negócios.

Não surpreende, pois, que os lucros da banca continuem a bater recordes sucessivos - no primeiro trimestre do corrente ano, os quatro grandes bancos privados registaram um crescimento homólogo dos lucros superior a 40 por cento - e que o preço do metro quadrado de luxo, em planta, tenha já ultrapassado (nalguns casos, largamente) os cinco mil euros, num movimento imparável de aproximação aos padrões das economias mais caras do planeta. Enquanto isso, na generalidade dos sectores da economia real as margens não param de diminuir e as perspectivas de sobrevivência a estreitarem-se.

Alguns defendem que esta divergência não está minimamente correlacionada nem é necessariamente perversa; pelo contrário, ficar-se-ia a dever, no caso da banca, ao seu superior desempenho técnico e à sua reconhecida eficiência operacional, alegadamente ao nível das melhores práticas internacionais. O que equivale a dizer que a banca teria sido especialmente dinâmica e competente na gestão dos seus recursos, ao contrário dos restantes sectores de actividade. O poder de influência de que dispõe na sociedade portuguesa não seria, assim, mais do que a consequência natural da sua condição de superioridade. Esta simpática leitura da ascensão da banca portuguesa aos céus verde-rubros não resiste, porém, aos argumentos certeiros dos mais cépticos, entre os quais os consumidores. Olhemo-los de perto.

Com tanta modernidade tecnológica, tanta eficiência operacional, como se explica que uma transferência inter-bancária chegue a demorar mais de oito dias a ser creditada na conta do beneficiário? Com tanta concorrencialidade e sentido de satisfação do cliente, como se pode aceitar que a banca pratique generalizadamente taxas de juro superiores a 20 por cento no crédito pessoal (nos cartões de crédito, por exemplo)? Se isto não é usura, o que é usura? Quem cuida da regulação do mercado no interesse dos consumidores?

Na área corporate, as dúvidas sobre a bondade da actuação do sector financeiro são de outra natureza. É sabido que a banca de investimentos está para a economia real como os "empresários" do futebol estão para os clubes. Facilitadores legítimos de todo o tipo de transacções, beneficiários na compra como na venda, estes agentes incorporaram na sua filosofia de actuação o princípio mais abstracto da moderna economia de mercado - o valor accionista. Acontece que as dúbias teorias do valor degeneraram na procura obsessiva de mais-valias. No léxico dos intermediários, uma boa operação não é aquela que é susceptível de produzir riqueza no longo prazo, mas sim a que permite a obtenção de ganhos instantâneos - a tal "valorização accionista", na versão banca de investimentos e agentes equiparados - em transacções onde os interesses societários são frequentemente ultrapassados por interesses pessoais, tão duvidosos quanto compensadores. E assim se vai conquistando mais e mais poder.

Como é óbvio, o raciocínio da superior eficiência comparada não é aplicável à fileira imobiliária, onde os indicadores do sector da construção civil estão ao nível dos do Sri Lanka. Aqui, a razão nuclear do sucesso é outra - o supremo talento dos actores na criação de valor a montante e a jusante da cadeia de valor. Afinal, tudo aquilo por que nos batemos para o conjunto da economia portuguesa. E se fôssemos todos aprender com os empreiteiros?

Luís Nazaré, in Jornal de Negócios, 19 de Maio de 2005

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