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3 de fevereiro de 2005

Repensar a regulação do comércio  

por Maria Manuel Leitão Marques

À margem de qualquer a racionalidade económica e sem vantagens sociais significativas, o comércio, ou mais propriamente as novas superfícies comerciais, continuam a ser dos um dos sectores mais regulados em Portugal.

A regulação vai desde o condicionamento à implantação de novas unidades, até às restrições ao horário de abertura para os estabelecimentos de maior dimensão.

Contudo, uma avaliação dos efeitos destas duas leis mostraria que elas, provavelmente, não atingiram os objectivos esperados ? proteger o pequeno comércio e dar-lhe tempo para se modernizar ? e tiveram até alguns efeitos perversos. Como é corrente entre nós, legislou-se sob pressão de interesses políticos sectoriais imediatos, sem a devida avaliação do impacto regulatório e da eficácia do regime introduzido.

Na verdade, a limitação à concorrência que resulta da discriminação negativa das novas superfícies comerciais, juntamente com outros factores, não tem favorecido a modernização do comércio, vulgarmente designado como tradicional. Essa modernização depende, antes de mais, do espírito de risco de cada comerciante, da sua capacidade de se diferenciar e oferecer serviços ao consumidor. Mas não se basta com isso. Exige cooperação entre estabelecimentos do mesmo sector e, sobretudo, entre os situados na mesma área comercial, em especial quando se trata de um centro de cidade. Sem cooperação, dificilmente uma iniciativa isolada de um comerciante terá o sucesso merecido. Ora, é possível que a abertura de estabelecimentos mais modernos em áreas de comércio tradicional ajude a constituir as lideranças indispensáveis para dinamizar essa cooperação, para além do efeito positivo na atracção de consumidores.

Além disso, as dificuldades de abertura de novos estabelecimentos favoreceram situações de quase monopólio das superfícies já instaladas em algumas cidades e deixaram por cobrir outras, em especial, no interior do país. O resultado analisa-se em preços mais altos, menor escolha e menor proximidade dos consumidores.

No caso da lei sobre os horários dos estabelecimentos comerciais, o efeito principal foi a deslocação dos consumidores para os supermercados, que continuam a poder estar abertos ao domingo à tarde, ou a concentração de compras no dia de sábado. Se do encerramento resulta algum prejuízo para os estabelecimentos de maior dimensão, relacionado com a compra por impulso, dele decorreu também um incómodo para os consumidores e nenhum benefício significativo para o comércio tradicional. Para este comércio, a restrição terá tido ainda um efeito perverso ou indesejável: o de estimular a abertura de unidades comerciais com áreas mais reduzidas, precisamente aquelas que devido à sua localização de proximidade com ele mais concorrem.

Na verdade, está provado que os consumidores repartem hoje as suas compras por diferentes formatos de acordo com a conveniência que cada um lhes oferece (variedade, horário, preço, proximidade, serviço ou divertimento, etc.). No futuro, é até provável que as compras mais pesadas e que não envolvem um processo de escolha sejam largamente transferidas para o comércio electrónico com entrega domiciliária.

A irracionalidade apontada àquelas leis, não significa, contudo, que o comércio dispense toda a regulação sectorial, em nome do interesse geral, e muito menos que ela seja constitucionalmente inadmissível. Permanece a necessidade de planeamento urbanístico e comercial; convém prestar atenção aos impactos ambientais; impõem-se regular a segurança alimentar e dos produtos em geral; é importante manter um equilíbrio nas relações entre fornecedores e distribuidores. Em matéria de políticas públicas, ao nível municipal, devem evitar-se os vazios comerciais, em especial, nas áreas rurais habitadas por pessoas com menos mobilidade; justificam-se programas públicos para a dinamização do comércio nos centros de cidade, quando apoiados em parcerias efectivas e não apenas em investimento público desgarrado do correspondente investimento privado; é importante que se pense no redimensionamento da oferta nos mercado municipais e na re-alocação do seu espaço.

O que não deve é continuar a penalizar-se, em nome não se sabe de quê, o segmento mais dinâmico do comércio, precisamente um daqueles onde que se discute mais sobre estratégias de inovação do que sobre o modo de conseguir um maior apoio do Estado para o que quer que seja.

(Diário Económico, 3 de Fevereiro de 2005)

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