<$BlogRSDUrl$>

28 de outubro de 2004

(A)Creditar 

Por Maria Manuel Leitão Marques

Paulo Z. é um jardineiro que já foi jogador de hóquei e atleta de alta competição. Com as poupanças que tinha iniciou-se no negócio.

Mas quando quis ir mais longe, expandir à actividade, empregar um amigo e adquirir novas máquinas, o seu IRS e o movimento da sua conta não eram suficientes para satisfazerem as garantias que os bancos lhe pediam. A Associação Nacional pelo Direito ao Crédito (ANDC) foi a alternativa para este micro-empresário.

Fernando M. é deficiente. A vida não lhe sorriu e as coisas não foram fáceis. Um dia quis ser peixeiro ambulante no Porto. Precisava de carta de condução para a esposa, uma viatura adaptada ao negócio e uma balança. Muitas portas se fecharam, mas o microcrédito permitiu que adquirisse a viatura.

Estas são apenas duas histórias de sucesso entre os 349 empréstimos concedidos pela ANDC. Nem todas têm este resultado, mas a taxa de reembolso destes créditos é de 77,2%. 1.502.962,00 euros de crédito concedido criou já 420 novos postos de trabalho em Portugal. Uma gota de água, se considerarmos que existem actualmente em todo o mundo cerca 55 milhões de famílias que contraíram empréstimos junto de 12 mil instituições de microcrédito e que o objectivo ambicioso traçado na Cimeira do Microcrédito, em 2002, foi o de que, em 2005 (Ano Internacional do Microcrédito), 100 milhões de famílias pobres e especialmente as mulheres tenham acesso ao crédito para desenvolverem o auto-emprego ou micro-empresas, além do acesso a outros serviços financeiros.

Merece a nossa atenção esta mão visível da sociedade civil que visa a capacitação das pessoas e a sua integração no mercado como cidadãos activos, que arriscam para construir uma alternativa, e não como simples beneficiários de subsídios ou de apoio social.

Merece mais ainda num país onde a diabolização do crédito é o desporto favorito de políticos que querem passar por sérios, procurando fazer crer que quem pede crédito é sempre para ir de férias para um qualquer destino turístico tropical. Mas não é verdade. Mesmo grande parte do crédito aos consumidores tem servido para comprar a casa, que não está disponível no mercado de arrendamento, e para adquirir bens de consumo, como as máquinas de lavar louça, que melhoram o quotidiano das famílias e aliviam o trabalho doméstico de quem por ele é responsável.

Como lembrava Yunus, ?o crédito cria o direito a recursos, gera poder económico que, por sua vez, gera poder social. Logo, a responsabilidade no momento de decidir quem obtém o crédito, quanto e em que condições, é uma importante questão social?. A sociedade no seu conjunto tem a obrigação de assegurar que ninguém é liminarmente excluído do acesso crédito e do acesso a outros serviços financeiros.

Alguns serviços financeiros devem, aliás, ser considerados serviços básicos, semelhantes à distribuição de água, de electricidade ou às telecomunicações. Isso mesmo foi reconhecido na V Conferência Internacional sobre Serviços Financeiros, realizada em Göteborg, em 2000. Assegurar o direito à conta e o acesso a outros meios de pagamento, estabelecer códigos de conduta para as instituições financeiras e prestar atenção a outras formas de inserção dos cidadãos nas sociedades modernas, tais como o microcrédito para permitir o início de uma actividade económica, foram algumas das medidas recomendadas na Conferência às autoridade nacionais e europeias competentes.

Foi Muhamad Yunus, um professor de Economia no Bangladesh, que popularizou o microcrédito, em 1976, para ajudar as comunidades rurais da sua região. Começou por emprestar o seu próprio dinheiro e mais tarde criou o Grameen Bank.

Em Portugal, a ANDC introduziu e tem gerido esta experiência desde 1999. Fá-lo através de parcerias: com o BCP, que financia os empréstimos, com os aforradores solidários, que suportam o ?fundo de garantia?, e com as instituições locais, que conhecem e seleccionam as pessoas. O crédito é limitado e o desenvolvimento do projecto acompanhado pela própria Associação. Desempregados e desocupados (principalmente mulheres), que não encontram resposta no mercado de trabalho, são os principais beneficiados. Pessoas que precisam de crédito para começar de novo ou apenas, como o Paulo Z., para levar a sua actividade mais além.

(Diário Económico, 5ª feira, 28 de Outubro de 2004)

This page is powered by Blogger. Isn't yours?